O jogo de amanhã


Esta noite o Jornal da Noite da SIC dedicava longuíssimos minutos do alinhamento à notícia que não o é - só será notícia amanhã - o jogo Benfica-Sporting, final de uma taça que também não é - nem Taça de Portugal nem Campeonato.
Foram minutos intermináveis de reportagens, directos, comentários, entrevistas, acerca do estádio que ainda está vazio, dos preparativos da polícia para o estádio cheio, da taça (objecto inerte) à espera de dono, das interrogações sobre a lesão do jogador A e as teorias do treinador B. Vida e paixão do espectáculo de amanhã - uma construção dramática do nada, uma ansiedade colectiva montada teatralmente.

Tudo graficamente enquadrado pela frase, em rodapé, e em permanência, mais promocional do que informativa: “Amanhã às 19:45... tem transmissão em directo na SIC”.
Três jornalistas no terreno num “ping pong de informação”. Um dos reporteres, jornalista com a carteira profissional nº ___5, captado pela câmara de um repórter de imagem igualmente detentor de carteira profissional, elabora sobre o vazio da notícia enquadrado num fundo onde se destaca a marca publicitária do patrocinador. Tudo isto para descanso do departamento comercial da estação que certamente acordou um conjunto de cláusulas apensas ao contrato de transmissão.

Um conteúdo da grelha de programas de amanhã, foi o tema forte da “informação” da SIC, de hoje. Os jornais das televisões concorrentes, alheados noutros temas, não tocaram no assunto.
E porquê? Porque não sobrevalorizam os interesses comerciais à matéria informativa? Nada disso. Fariam (fazem) exactamente o mesmo se tivessem sido os detentores dos direitos de transmissão do espectáculo. Mas por não o serem, a RTP e a TVI ficaram entregues à sua “rotina informativa”: a RTP mostrando a realidade deturpada do mundo, passada pelo filtro cinzento, pró-governamental; a TVI animada no exuberante friek-show das sextas-feiras, populista, pistoleiro, demagógico, onde todas as maleitas do mundo vão a julgamento no jornal, e no final, por veredicto do pivô e comentadores, é atribuida culpa formal ao primeiro-ministro.
No país em que vivemos é este o “jornalismo” que temos.
Amanhã de manhã o (eventualmente existente) Conselho de Redacção da SIC viverá pacificamente com a assunto – nada se passou, nada aconteceu.
Também amanhã, eventualmente, o Conselho Regulador da ERC pronunciar-se-á pelo esvaziamento do concurso para um canal alternativo de televisão, barrando o caminho ao nascimento de uma televisão inovadora (leia-se perturbadora), dando corpo e razão à vontade niilista dos interesses instalados que querem que nada mude, que nada aconteça, para perpetuar o estado de coisas em que a Televisão e o País vivem.

João Salvado
Sexta-feira, 20 Março 2009, 22.30.

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