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A mostrar mensagens de fevereiro, 2017

Me and my selfie

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A pretexto de experimentar uma nova objectiva saí para a rua, para fazer umas fotografias. Escolhi um motivo. Era verão, a cidade estava cheia de turistas, decidi fazer selfies - aliás, pessoas que se fotografam em selfies . Em dois ou três dias fiz milhares de fotos das quais uma centena, nem isso, podem ser consideradas interessantes. A seguir resolvi inventar pequenas histórias à volta das fotos mais expressivas. São narrativas imaginadas sobre pessoas que não conheço e com quem me cruzei, e uni, nessa cumplicidade do instante fotográfico. Aqui ficam três ou quatro exemplos.

Mulheres do Século XX

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20th Century Women, “Mulheres do Século XX” é (para mim) a melhor surpresa das nomeações para os Oscars 2017. É uma incursão do cinema mumblecore - a mais interessante corrente de cinema independente da última década - às portas de Hollywood. Um cinema que privilegia a estética ao espectáculo, a narrativa mental à acção, a extensão narrativa ao orçamento de produção. E que talvez por isso tenho criado anticorpos em Hollywood. A carimbar a linhagem “mumblecore” está a actriz Greta Gerwig que assina com Annette Bening duas talentosas interpretações, em que Hollywood entendeu agora não reparar. Um filme que nos fala da forma como “vivemos” - tirando eu aqui partido, no nosso português, da homografia dos diferentes tempos verbais, o presente e o pretérito. O filme acomoda-se a uma única nomeação para os Oscars - a de candidato a melhor argumento original. Faltam-lhe certamente as nomeações para um ou dois papéis de interpretação, talvez para Melhor Realização ou para Melhor Fi
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Praça do Comércio/Cais das colunas #1 - Lisboa © photo by João Salvado August 2013 Praça do Comércio/Cais das colunas #2 - Lisboa © photo by João Salvado August 2013

A Caixa de Fósforos

Aquilo que mais me encantou na “Caixa de Fósforos”, o livro de Nicholson Baker, quando o li há uns anos, foi a capacidade do escritor de nos impor a obrigatoriedade de pairar demoradamente sobre o tempo parado da narrativa. O romance conta a história de um homem que todas as manhãs, muito cedo, acende a lareira e prepara a casa para acolher o frio dos dias, sempre envolvido em pequenas tarefas que lhe afogueiam longos pensamentos, que vai narrando. O gesto de riscar um fósforo para a lareira pode ser uma tarefa que, na minúcia do escritor, rende um capítulo inteiro de literatura. A escrita infiltra-se nas frestas de um tempo que não existe, como num efeito cinematográfico de “time freeze” onde a acção parou, os intervenientes paralisaram, mas nós continuamos a andar por lá, alongando-nos na observação do momento. O que requer uma escrita de fragmentação, tão oposta aquela outra que impõe velocidade à narrativa com o objectivo de chegar rápido ao sumo do enredo, da trama, ao dese

Moonlight

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Do que é que eu não gostei no (filme) Moonlight? Houve apenas uma coisa que me incomodou. E incomodou bastante. Não, não foi o tema da homossexualidade, que isso é assunto mais que acomodado nos tempos que correm - talvez ainda não acomodado por toda a gente, mas para gente como nós, que ainda tem 7 euros para pagar por uma cadeira de cinema, os desígnios da sexualidade, nas diversas variações de género, representam apenas factores de coloração da entrega dos afectos. Não, também não foi o black trash suburbano de Miami, os ghetto dwellers, os crack head neighbors dos arredores, a desestruturação familiar, a toxicodependência parental, que para ver isso não é preciso ir aos slums da América, temos por cá equivalente. Também não foi o cerco da realização cinematográfica (ou da “cinematografia”, se quisermos), angustiante, quase claustrofóbica, de curta distância focal, de fundos desfocados, da câmara handheld que olha a acção e se mexe misturada com os

Quando são as memórias a lembrar-se de nós...

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Saíamos do cinema às três da manhã e ainda íamos à Alga comer um bife. O Quarteto tinha sessões da meia noite, dois filmes de culto que só cabeças refrescadas como a do Pedro Bandeira Freire conseguiam aguentar - um Agnès Varda e logo a seguir um Visconti, por exemplo. A Alga era pouco mais que um balcão corrido. O Loja Neves anotava tudo num caderninho de goodies que, se ainda o tiver, valerá milhões. O Loja fumava demais. Cigarros sem filtro. Português suave, acho. Já não me lembro como é que o Zé Velho ia para casa nas sextas à noite. Morava em Odivelas. Nos outros dias saía do cineclube e apanhava o último metro na Avenida, ao fundo a rua do Salitre. Andava de cabeça perdida com a história da fauna social que povoava o último comboio para Entrecampos - seguranças, operários da noite, prostitutas, intelectuais, boémios, empregadas da limpeza, etc. Já toda gente se conhecia. Entre a Rotunda e o terminal de Entrecampos eram uma família. Queria reduzi-los a um guião. E nós já lhe