Moonlight
Do que é que eu não gostei no (filme) Moonlight?
Houve apenas uma coisa que me incomodou. E incomodou bastante.
Não, não foi o tema da homossexualidade, que isso é assunto mais que acomodado nos tempos que correm - talvez ainda não acomodado por toda a gente, mas para gente como nós, que ainda tem 7 euros para pagar por uma cadeira de cinema, os desígnios da sexualidade, nas diversas variações de género, representam apenas factores de coloração da entrega dos afectos.
Não, também não foi o black trash suburbano de Miami, os ghetto dwellers, os crack head neighbors dos arredores, a desestruturação familiar, a toxicodependência parental, que para ver isso não é preciso ir aos slums da América, temos por cá equivalente.
Também não foi o cerco da realização cinematográfica (ou da “cinematografia”, se quisermos), angustiante, quase claustrofóbica, de curta distância focal, de fundos desfocados, da câmara handheld que olha a acção e se mexe misturada com os protagonistas; nem sequer das cores saturadas, duras, intencionalmente a queimar.
Não foi nada isso.
O que me incomodou verdadeiramente foi um detalhe da longa cena final (supostamente o desenlace romântico da história) em que "lover um" revisita "lover dois", na lanchonete do segundo. O intimismo do encontro mereceu ser celebrado com um bom vinho e lá vem então a garrafa de um tinto (provavelmente) italiano, quando - pasme-se - é bebido à americana. Ou seja, em copos de plástico modelo highball ou parecido, altos e de cor, adequados a servir água ou refrigerante.
Aí o drama romântico, para mim, parou. Veio-me à garganta aquele refluxo de antipatia cultural, de distância àquela América que bebe cerveja pela lata, mas também bebe whiskey pela garrafa e haveria de beber de igual forma, se o apanhasse, um Château Lafite Rothschild… ou não, porque no copo sempre se poderia misturar gelo e seven-up.
É a América que come à mesa só com garfo, a outra mão pousada sobre o joelho. Aquela América que numas coisas é tanto à frente e noutras quase debutante em civilização.
Foi apenas isso que me incomodou no Moonlight. E assumi que o detalhe não terá sido posto na fita sob um olhar crítico, ou como elemento semiótico e significante da dramaturgia. Está lá e daquela maneira porque é intrínseco à cultura americana. Faz parte.
É a terra e a cultura onde uma vez embasbaquei um anfitrião porque lhe pedi se podia, faz favor, ter um copo para beber a cerveja.
(Onde se lê “América”, deve ler-se sempre “Estados Unidos”.)
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