Eleições I - A noite em que os partidos voltaram a não perceber nada do que se está a passar


É sempre bonito ver todos os partidos contentes, satisfeitos com o resultado eleitoral.
Ontem, foi a noite em que toda a gente venceu, como explicou Ricardo Araújo Pereira, na SIC.

O PSD venceu porque ganhou ao PS.
O PS venceu porque sobreviveu às dificuldades.
O Bloco de Esquerda venceu porque ultrapassou o PCP.
A CDU venceu porque o PC vence sempre.
O CDS venceu porque ganhou às sondagens.

Contabilize-se também a vitória de 6 milhões de portugueses (200 milhões de europeus) que votaram... as urnas ao abandono.
E sairam naturalmente vencedoras as mentes hipócritas que acham que não votar é sinal de ignorância, de irresponsabilidade e apropriado a quem não tem preocupações sociais. Venceram, porque são invencíveis na presunção e no convencimento. Nenhum argumento conseguirá demovê-los. Cabeças destas são o maior estímulo ao incremento da abstenção.

Haverá diferentes razões para a abstenção. Uma delas traduz um veemente voto de protesto. Protesto contra a actuação de políticos e partidos. Contra as soluções em oferta.
Muita gente terá decidido não votar, não por indiferença ou comodismo, mas por reconhecer utilidade estratégica no acto – por sentir necessidade de incomodar os políticos (autistas, falsos e ineficientes, quando instalados) sabendo que a abstenção é o que mais os pode perturbar.

A líder do partido vencedor, Manuela Ferreira Leite, referiu ontem no discurso de vitoria: “Dos resultados eleitorais há que sublinhar, em primeiro lugar, o elevado nível de abstenção. Este facto, que não é novo, tem necessariamente de conduzir à ponderação e à correcção das suas causas. Infelizmente é uma questão que todos refereciam nas noites eleitorais, mas que no dia seguinte deixa de estar na agenda dos responsáveis políticos.
Um tiro no pé!
Vamos aguardar uns meses até perguntar à líder e ao partido, o que terão, entretanto, feito para corrigir a situação e agir de acordo com o sentido das palavras da noite eleitoral – nada, seguramente!
Esta hipocrisia, esta diferença entre praxis e teoria, só pode contribuir para o incremento do abstencionismo militante ou da indiferença.

Na noite de ontem ficaram algumas perguntas por responder:
- inimaginável! Porque chorou Paulo Portas de alegria, na noite em que "trotskistas" ultrapassaram "democratas-cristãos" (segundo a nomenclatura do próprio)?
- nas últimas Europeias, em 2004, o PSD obteve 33% dos votos, e perdeu as eleições. Ontem, ganhou-as com 31%. O que é que celebra?
- ...porque será? É tão evidente que o PSD não esperava estes resultados, não estava preparado para a vitória! Desde o primeiro, nenhum discurso de vitória tem sido prospectivo, virado para o futuro, mas, pelo contrário, são ressabiados, virados contra o derrotado.
Na semântica da vitória as pobres cabeças do PSD continuam insistentemente a exorcizar o passado, a fazer a carpição e o pranto de oposição, a que estão habituados.

Em resumo, estes resultados eleitorais trouxeram-nos a alegria de ver castigado o partido e o governo que tem gerido mal o país, com arrogância, mas deixam-me também um amargo de boca... aliás, dois:
- a oposição, a alternativa de governação ao PS (à direita, porque a outra só conta em termos parlamentares), é ainda mais incompetente que o próprio governo. Isso é notório, e não augura nada de bom.
- os resultados eleitorais internacionais viabilizam a permanência de Durão Barroso na Presidência da Comissão. Vamos continuar a levar com essa nódoa política que nos envergonha por tudo, e ainda mais por falar a nossa língua.

Já que a eleição era europeia, fica aqui mais um registo, vindo de um círculo eleitoral bem distante do nosso - na Suécia, o Partido Pirata elegeu um deputado ao arrecadar 7,1% dos votos nacionais.
O Partido Pirata que reivindica a livre circulação e download de ficheiros – música, filmes, etc. (eMule, torrents, por ex.) exige uma “nova ordem internacional” quanto às políticas de direitos autorais, de liberdade de utilização das redes informáticas, contra a regulação da net ao serviço dos interesses corporativos e multinacionais.
A velha Europa ainda nos traz destas alegrias. Quem disse que somos um continente envelhecido?
Há alguém por aí que alinhe em formar o PPP – Partido Pirata Português?

Comentários

CN disse…
mete lá o meu nome.
Sergio Denicoli disse…
O Partido Pirata sueco elegeu um deputado porque, simplesmente, tinha uma proposta simples, clara e coerente com o pensamento de parte da população. Os grandes partidos reclamam das abstenções, mas estão distantes dos anseios de quem eles deveriam representar. A iminência do poder castra as ideias autênticas.
Manuela Araújo disse…
É claro que os políticos não perceberam, pois a mensagem não foi clara nem para quem não pertence a partidos. A abstenção sempre foi alta nas eleições para o PE. Não vai ser a abstenção a mudar as coisas, mais ainda porque não houve estratégia, nem propostas alternativas.
Eu votei. Não sei se por isso me considerarão intelectual de meia-tigela, mas eu cá nem se quer me considero intelectual, por isso, é irrelevante.
Insisto, na minha ignorância, que mentes informadas e arejadas proponham novas soluções, novos sistemas políticos.
Quanto a um novo partido chamado PPP, perde logo por excesso de P's.
E será que só se preocupa com downloads? Ou pensa em mais alguma coisa? Mais uma vez, desculpe a ignorância!
andrea disse…
ja estou de pala ao olho e com a perna de pau com a revisão feita.
Buga lá.
Mathilde Carioca disse…
Lamento discordar meu caro.
Que ninguém mereça o teu voto, de acordo. Que nenhum partido te represente, ok. Que a abstenção é um alerta, até aí muito bem.
Mas para isso existe o voto em branco. O voto foi uma conquista, é um direito, ao qual eu acredito que não se deva fechar os olhos.
O descrédito no voto em branco e o medo que este seja deturpado, parece-me o descrédito na democracia... o que até faz algum sentido, mas isso é outra conversa.
Se acreditarmos que um voto em branco é um cheque em branco, para quem quiser preencher, estamos a acreditar que qualquer voto é um cheque que pode ser roubado, violado, rasgado...
Eu acredito que o voto em branco tem grande peso político e mais ainda, acredito que se ao invés de 62% de abstenção o resultado fosse de 62% de votos em branco, aí sim os políticos iriam tirar um segundo ou dois para reflectir.
Para as próximas eleições lá te espero.
Unknown disse…
O PPP já existe. Visitem http://partidopirata.co.cc
e
http://partidopirata.co.cc/forum

obrigado

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