Western Pita Shoarma


Março de 2006, Mahmoudiya, arredores de Bagdad.
Steven Green, um cabo para-quedista norte-americano destacado num pequeno aquartelamento cuja missão era vigiar um cruzamento de duas estradas nacionais, resolveu quebrar a rotina das enfadonhas noites de calor e bebedeira com whisky iraquiano e animar o serão dos camaradas de combate com dose reforçada de adrenalina.
Planeou uma noite memorável, uma festa que só o sangue árabe lhe poderia proporcionar.
Green e quatro soldados amigos equiparam-se com roupa interior preta – ninja suits, como lhe chamam em combate – e bem bebidos, com os vapores do whisky marado a bater, escaparam-se à surrapa do aquartelamento, dirigindo-se a uma casa nas proximidades, uma moradia rural isolada, a escassa centena de metros do aquartelamento militar.
Já sabiam quem iam encontrar.

Arrombaram a porta, entraram em casa e isolaram a filha mais velha da família, a jovem Abeer Qasim Hamza, de 14 anos.
Steven, sempre o mais ousado do grupo, arrastou o pai, a mãe e a irmã de 5 anos, para um quarto anexo e matou-os sumariamente com tiros na cabeça.
Aliviado, regressou à sala onde os companheiros se divertiam a violar a jovem iraquiana de 14 anos exclamando: - Já está! Matei-os a todos!
Dedicou-se então a partilhar com os companheiros o corpo da jovem Abeer Qasim
Aquele corpo virgem já lhe tinha passado pelas mãos nas revistas de checkpoint, mas agora ia poder consumi-lo com prazer descartável.
Consumada a satisfação, Steven tapa a cabeça da jovem com uma almofada e dispara vários tiros, desfazendo-lhe o crânio.
Antes da retirada incendeiam o corpo violado e a casa, para destruição de pistas e regressam ao aquartelamento, para descansar.

Havia já algum tempo que aquela família iraquiana lhes andava debaixo de olho – a jovem Abeer Qasim, sobretudo.
Diariamente, no regresso da família a casa, a monotonia do deserto ganhava alguma animação: no checkpoint, contra a parede e de arma bem apontada à nuca, a pretexto dessa abstracção que é a ameaça terrorista, aproveitavam-se para revistar Abeer Qasim, humilhando-a, apalpando-a com grotesco detalhe táctil, nos seios e nas coxas.
Na privação da guerra, aqueles momentos de volúpia eram pólvora para o pequeno grupo de soldados. Abeer Qasim, a jovem iraquiana, aguçava-lhes o desejo, dia após dia. A vontade de gang-rape já lhes rangia os dentes, talvez por ser a única presença feminina, com um corpo apetitoso de mulher já feita, escondido pelas roupas tradicionais, pouco atraentes.
Abeer Qasim tinha referido em família o medo dos soldados americanos e tinha pedido para mudar temporariamente para casa dos tios, mas o pai tinha desvalorizado o assunto.

Um irmão de Abeer Qasim, único sobrevivente da família, um rapaz de 13 anos que na noite do massacre não se encontrava em casa, foi a peça fundamental para desvendar e reconstruir as razões do crime.

Durante meses as autoridades militares americanas teimaram em atribuir o massacre de Mahmoudiya à violência civil iraquiana.
Foi preciso muito tempo e a paciência inesgotável dos investigadores iraquianos, que coleccionaram um conjunto inquestionável de provas, para que o assunto passasse de mera carpição muçulmana, atravessasse fronteiras e sensibilizasse a justiça americana a levar o caso a julgamento. Steven Green já tinha regressado a casa, depois de ter sido despedido do exército por sindroma de personalidade anti-social e por revelar obsessão por matar árabes – admitiram os seus chefes militares.
Quando o destemido soldado Green foi agarrado pela polícia federal, na Carolina do Sul, regressava do funeral de um soldado americano caido em combate e preparava-se para levar a avozinha ao cinema. Limitou-se a comentar aos agentes: - Já sabia que haviam de aparecer para me vir buscar.
As sessões de julgamento que se seguiram tiveram pouco interesse para o confronto da matéria de prova, mas foram muito animadas na audição das bizarras confissões de Green, que desapaixonadamente reconheceu ter querido ir para a guerra porque lhe andava a apetecer matar pessoas, o que é complicado de realizar nos EUA.
Admitiu estar deliciado com o facto de, no Iraque, se poder matar com a mesma facilidade com que se esmaga uma formiga e que isso lhe enchia o peito de adrenalina.
- Matei um tipo que não tinha parado num checkpoint e a partir daí tomei-lhe o gosto. Mata-se um tipo e é como “Meu! Agora vamos mas é comer uma pizza!” – disse Green no tribunal.

O julgamento terminou há dias, em Maio de 2009. Steven Green foi condenado por 17 crimes de violação e homicídio, entre outros. Ainda assim, os jurados do tribunal federal de Kentucky não conseguiram unanimidade na pena a aplicar.
Nove mulheres e três homens, o júri que na derradeira sessão do julgamento precisou de mais de 10 horas para discutir o caso, entendeu que o stress de combate e o ambiente hostil vivido no triângulo da morte, em Bagdad, eram condicionantes do desvio comportamental do soldado Green. Por consequência, Steven Green viu a sentença comutada de pena de morte para prisão perpétua.

O stress de combate dificilmente conduz à violação de uma rapariga de 14 anos, mas o júri, ou parte dele, foi seguramente sensível ao apelo de Scott Wendelsdorf, o advogado de defesa judeu que, nas alegações finais, gritava com os olhos postos nos jurados: - Poupem este rapaz! A América não mata os seus combatentes falhados. Por amor de Deus, poupem-no!

Os outros quatro companheiros de Steven no gang-rape de Mahmoudiya, foram julgados em tribunal militar e receberam penas que vão de 27 meses a 110 anos de prisão, com liberdade condicional daqui a 10 anos, no caso das penas mais severas.

Num sistema judicial tido como eficaz, num país onde matar com crueldade conduz frequentemente à pena capital, numa sociedade acossada pela paranóia securitária onde deixar cair uma garrafa de água no aeroporto pode desencadear o estado sítio... a justiça continua a ter ascendente de classe, de preço e de cor ou etnia.
Como há um século, na conquista do Oeste, matar índios era um gesto heróico celebrizado na cultura cinematográfica do western; nos dias que correm continua a haver quem faça da intervenção no Iraque a mesma leitura primitiva dos bons que matam os maus, ao jeito da mais barata produção western – já não a spaguetti, mas neste caso a pita shoarma.

- Fui para lá (Iraque) porque queria matar pessoas. – confessou serenamente Steven Green no julgamento.
- Todos os meus companheiros estavam a tombar, a morrer na guerra. O alferes do meu batalhão morreu-me nos braços, de crânio desfeito.
Quem deveria estar agora aqui, preso e a ser julgado, era George Bush e Dick Cheney.
Steven Green cresceu em Midland, no Texas, a cidade onde também cresceu e foi criado George W. Bush, o homem que ideologicamente o inspirava quando em 2005 se alistou no exército, para se libertar de uma vida de problemas, de droga, álcool e pequenos crimes.

O caldo ideológico americano suporta de tudo um pouco, valha-nos isso.
Embora o incidente seja recente, o desfecho do julgamento é da semana passada (21 Maio 2009), os movimentos cívicos e os activistas sociais americanos não perderam tempo para puxar o assunto, trazendo-o à luz dos media internacionais.
No Outono de 2007 Brian de Palma estreou o filme Redacted que trabalha em versão meio documental meio ficcionada o massacre de Mahmoudiya.
O antigo jornalista da TIME, Jim Frederick, está a escrever um livro sobre o assunto, com o título Black Hearts, com edição prevista para a primavera de 2010.

Na semana em que a América celebra os mártires de guerra no Memorial Day, eu gostaria de lembrar e celebrar também as vítimas civis que tombaram inocentes, não para que o mundo respirasse mais liberdade e segurança, mas sacrificadas à satisfação dos interesses hegemónicos da oligarquia americana.

Comentários

Manuela Araújo disse…
A guerra é a mais estúpida das invenções humanas. Além das mortes desnecessárias de soldados e civis, das perdas, do sofrimento, provoca em muitas mentes mais fracas uma degeneração de sentimentos e falta de respeito pelos outros atrozes, como a que aqui vemos retratada neste triste e degradante episódio.
Serão estas pessoas capazes de tais actos ainda humanas?
CN disse…
boa reflexão. acompanho-te no cerimonial.

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