A saudade


Tenho saudades da leitura de jornais em papel e daquele desconforto dos braços esticados, para os broadsheet, mas bem mais agradável nos tablóides - no conteúdo dos artigos era talvez o inverso. Saudades do barulho do súbito folhear das páginas e até do cheiro a tinta e da sujidade que ela deixava nos dedos.
Tenho saudades de tocar nos botões de campainha, à porta - dois toques curtos, como quem anuncia “cheguei, fico aqui em baixo à tua espera”.
Até tenho saudades de esperar na bicha da cabina telefónica. De fazer cá fora um olhar intimidante para pressionar o demorado utilizador “sê telegráfico na conversa. Isto não é para vir para aqui namorar, há mais gente à espera!” e receber em troca, pelos quadradinhos envidraçados, um ambivalente sorriso amarelo que queria dizer simpatia para o interlocutor em linha mas desdém para quem ameaça de fora do abrigo.
Mas do que tenho mesmo muitas saudades é daquele embaraço ao balcão da capelista, quando ia levantar os rolos de fotografia que vinham da revelação - “tinha pedido em papel matte sem margens, não era? Veja lá se está tudo bem”. Eu abria o envelope e espreitava envergonhadamente duas ou três fotografias, salteadas “acho que sim, parece-me bem”. Só depois, já fora da loja, me atrevia no descaro de rever todas as fotografias e sentir, uma a uma, a confirmação da dúvida, da desilusão ou do prazer, e sobretudo da ânsia que cada um daqueles disparos de obturador tinha representado em momento próprio, que tão nítido ainda retinha na memória.

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