Os Formatos de Imagem


O leitor é assumidamente um cinéfilo exigente. Escolhe ver bons filmes nas salas com condições mais apropriadas. Em casa vê TV e DVD’s atribuindo relevância ao formato de exibição. Prefere versões originais a dobragens, e versões integrais sem cortes nem intervalos. Haverá melhor fruição de uma obra do que vê-la nas condições exactas em que foi concebida pelos seus autores?
Repare então no cenário alternativo, e veja se lhe é familiar?
Entra-se no café, no restaurante, ou mesmo na casa de um amigo que ostenta um moderno televisor de plasma, de formato panorâmico, e qual é a primeira “modernidade” que nos salta à vista? A imagem esticada, deformada, recortada, ou “adaptada” ao formato do televisor num “aproveitamento” total da área útil do aparelho. O programa de TV é emitido no tradicional formato de 4:3, mas a aparente fobia a faixas de negro, resolve o assunto de outra forma.
Há várias técnicas de maltratar a imagem. Veja aqui algumas e valide-as num local próximo de si:
Técnica 1 – estica-se a imagem para os lados como se fosse tela elástica. O formato 4:3 passa para 16:9. Um simples click no comando do televisor e cada cara, cada busto ou tronco engorda automaticamente 33,33%. As bolas de futebol passam a melões de râguebi; uma atraente actriz de novela ganha com o gesto uns razoáveis 18 quilos virtuais. Tudo isto sacrificado, claro, ao desaparecimento das “desagradáveis” laterais negras no televisor (fig. 1).
Técnica 2 – amplia-se a imagem 4:3 até esta preencher, na lateral, a totalidade do écran. Naturalmente desaparece, porque deixamos de a ver, a parte da imagem ampliada acima e abaixo. Perdem-se cabeças, árvores, pernas, legendas. Mas atenção, esta técnica oferece uma variante admirável: dado que parte da informação gráfica se situa na zona inferior da imagem – legendas, rodapés, etc. – cuja leitura interessa preservar, faz-se, depois do zoom, um reajuste para cima de toda a imagem, cortando mais acima e menos abaixo. Salvam-se as legendas e as informações em rodapé, sacrificando cabeças, testas e nucas de indefesos apresentadores, literalmente decapitados acima do temporal (fig. 2).
Técnica 3 – é a variante “inteligente” da deformação. Inteligente porque é assim que a maioria dos menus de televisor a apelidam. É uma combinação de pequenas deformações: estica-se um pouco para os lados; amplia-se, “zoomando” um pouquito mais; sobe-se, o suficiente para integrar as legendas, e já está. As várias manipulações conjugadas conseguem fazer chegar a imagem 4:3 às paredes laterais do televisor. Prova superada! (fig. 3)
Mas o que estará por detrás desta fobia do gosto que nos faz sacrificar o enquadramento dos conteúdos à conveniencia de espaço disponivel no televisor? É uma tendência kitch que faz lembrar os tempos em que se escolhiam enciclopédias azuis, para condizer com os cortinados.
Vivemos tempos de mudança. Chega-nos de tudo a casa. As combinações de proporção complicam-se à medida que aprofundamos o assunto: 1.85:1, 2.39:1, etc., e não faria sentido analisá-las no contexto deste artigo. A televisão está em mudança, entre o 4:3 e o 16:9; o cinema também (fig. 4). Mas ainda assim ninguém recorta a fotografia da avózinha pelo meio da cabeça, para caber na nova moldura da sala.
No cinema, na televisão, um enquadramento é milimetricamente cuidado. O operador de câmara ou o director de fotografia ajustam meticulosamente cada plano. O realizador, responsável formal da obra, define, confirma, corrige, ajusta, acerta – desde o storyboard, ao viewfinder nas filmagens, na régie ou na pós-produção – de forma a que composição, o enquadramento, seja rigorosamente o pretendido, em função do ambiente visual, do equilibrio plástico e estético. Diz-se que um enquadramento requer mais (ou menos) “ar acima”, na terminologia portuguesa; ou “headroom” na anglo-saxónica – são os termos que realizador e operador de câmara utilizam para ajustar a composição.
O leitor é assumidamente um cinéfilo de bom gosto. Em sua casa, no televisor, cohabitam pacificamente filmes e programas em 4:3, 16:9, etc. Respeita-se o formato da obra e não o do aparelho. Queira fazer o favor de passar esta mensagem no café, no restaurante, ou até àquele amigo mais descuidado e vaidoso que comprou agora um novo plasma.
Saibamos respeitar e viver com a diversidade e profusão formatos até ao dia em que nos encontremos todos num eventual HD panorâmico.
João Salvado, realizador
Publicado na revista PREMIERE de Novembro 2008

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