Francisco e o power point


Francisco Pinto Balsemão apresentou no dia 12 de Março (há 3 semanas) os Resultados Anuais do Grupo Impresa. São 39 slides que merecem alguma atenção.
Para fora, para consumo público, Balsemão tem produzido um discurso alarmista, quase catastrofista quanto à crise e aos negócios, que visa protegê-lo e vitimizá-lo face às dificuldades da concorrência e do mercado. Mas para consumo interno, para accionistas, parceiros estratégicos e para team building dos quadros do grupo, montou no aconchego de um hotel um cenário diametralmente oposto: optimista e de sedução, fundamentado nos dados reais do exercício financeiro das suas empresas.
Vejamos os números e o power point de Balsemão.
Segundo a Impresa a queda anual do mercado publicitário, em televisão, foi de 2,4%. A crise nas televisões de que Balsemão tanto fala traduz-se, na SIC, em 2,4% de diminuição das receitas publicitárias. De fazer inveja a qualquer fábrica ou unidade industrial deste país – atravessar os anos de crise de forma tão indelével, com 2,4% de diminuição de receitas, é um luxo.
Mas para baralhar o cenário aparecem outros números interessantes: as receitas da Impresa em publicidade na internet (sites do grupo) aumentaram 52%, e as receitas em publicidade no cabo aumentaram 10,2%.
As “receitas de televisão” baixaram 7,4% em relação ao ano anterior (de 185.182 M€ para 171.549 M€) mas as “receitas digital” aumentaram de 4.160 M€ para 6.652 M€, (seis virgula sete milhões de euros) isto é, 60% de crescimento.
A slides nºs 33 e 34 do power point Balsemão lamenta-se: “Janeiro de 2009 foi muito fraco (...) o mercado publicitário caiu 32,2% em Janeiro”. Janeiro é sempre fraco, omite Balsemão. O mercado publicitário desinveste depois do Ano Novo, descendo todos os anos em Janeiro, 25% a 30%, mesmo sem sinais de crise.
Há um slide que Balsemão não quis introduzir no power point: porque baixaram as receitas de publicidade?
Na SIC, em boa medida, a razão está encontrada: porque também baixaram as audiências.
E porque baixaram as audiências?
Balsemão é evasivo, mas sempre vai dizendo: “pela transmissão, nas outras estações generalistas, dos principais eventos do ano – Europeu de Futebol e Jogos Olímpicos de Pequim”.
Por lapso não referiu que o desinvestimento na grelha de programas se traduz na mais fraca programação de todos os canais generalistas, na mais pobre programação de toda a história da SIC e na mais barata grelha de conteúdos de televisão generalista, de toda a peninsula Ibérica – um prime time quase exclusivamente preenchido por programas low cost de apanhados e home videos do tipo “a noiva cai à piscina”, mais novelas.
"Omoletas sem ovos", como se comenta nos corredores da estação.
Ajuda à festa uma equipa desnorteada, sem estratégia de programação, sem força anímica, a reagir mimeticamente a “tudo o que mexe” nos canais da concorrência.
Feitas as contas a queda das receitas publitárias na SIC em 2008, face à conjuntura e às audiências, foi generosa para a Impresa.
Aparentemente Balsemão queria o impossível: boas audiências, prescindindo de investimentos em conteúdos; receitas, sem despesas em programação.
A estratégia de Balsemão pode bem ter sido essa: desinvestir na antena, emagrecendo a grelha, admitindo a derrapagem das audiências até um limite (controlado), para reter capitais que serão canalizados para investimentos e proveitos.
Terá sido isso que fez – acautelou a carteira e o futuro.
Vejamos os negócios de Balsemão no ano 2008:
- adquiriu 40% da SIC Notícias (Lisboa TV), de que já possuia 50%;
- comprou “direitos para os conteúdos estratégicos” dos próximos anos. Leia-se: comprou futebol: a Taça Europa, ex-taça UEFA (por valores não revelados);
- renovou o contrato com a TV Globo para mais quatro anos de exclusividade de novelas brasileiras em Portugal (valores igualmente não revelados);
- renovou os contratos dos canais SIC no cabo, até 2013. No cabo e no satélite o ano correu bem à Impresa. Em dois ou três parágrafos Francisco Balsemão resume no power point o sucesso das suas televisões:“As receitas de subscrição geradas pelos canais da SIC distribuídos por outras plataformas, como o cabo e satélite, em Portugal e no estrangeiro, obtiveram um forte crescimento. Em 2008, as receitas de subscrição cresceram 15,8%, atingindo 38,1 M€. No 4º trimestre, o aumento foi de 22,7%. Esta subida deveu-se à manutenção do crescimento da área internacional e, ainda, ao novo dinamismo registado no mercado de pay-tv português, com o aumento da concorrência entre plataformas. As receitas de subscrição representam 22,2% da facturação consolidada da SIC.
A área internacional continuou a registar um bom ritmo de crescimento. Em 2008, as receitas aumentaram 23%, impulsionadas pela subida dos subscritores da SIC Internacional e da SIC Notícias no continente africano, que superaram os 214.000 clientes no final do ano, um ganho de 53% em relação aos 140.000 contabilizados no final de 2007.
No final de 2008, a SIC Internacional passou a ser distribuída no Brasil, via satélite pela operadora de telecomunicações Embratel, através da qual se pretende atingir 20 milhões de lares naquele país. A nova parceria visa reforçar a presença do canal no mercado de televisão brasileiro, onde actualmente já tem 3,5 milhões de telespectadores através da operadora Sky e da rede de cabo NET.”

Quem o escreve é o mesmo Balsemão que publicamente tem clamado contra as dificuldades da crise, contra a concorrência, contra a falta de proteccionismo do Estado e, ultimamente, contra um emergente quinto canal, dramaticamente “disruptivo”, que ameaça disputar-lhe os magros proveitos que a indústria gera.
2008 foi, igualmente, um ano bom para os negócios de Balsemão nas outras plataformas. Vejamos:
- adquiriu 50% da Edimpresa por 23 M€ e 50% da Office Share;
- criou a Impresa Publishing que se tornou numa das maiores editoras portuguesas;
- criou a Impresa Serviços que “irá suportar as áreas operacionais do Grupo e gerará poupanças estimadas em 1 M€ em 2009”;
- criou a Acting Out (60% de capital Impresa e 40% Elsinor) que marca a entrada do Grupo na área da produção de eventos;
- criou a Impresa.Com e a Impresa Direct;
- aumentou a participação no capital do AEIOU de 50% para 65%;
- criou a Impresa Media Solutions para desenvolver a venda de publicidade multimeios;
- adquiriu 51% da empresa 7 graus detentora do site Olhares.pt, o maior site nacional dedicado à fotografia;
- anuncia estar pronto para lançar ou relançar novos jornais e revistas (a Autosport, por exemplo);
- está a lançar o Carfilia e outros projectos na área dos classificados;
- vai lançar novos sites especializados e temáticos. Os actuais sites do Grupo (SIC Online, Escape by Expresso, Caras, Olhares, etc) ultrapassam já os 100 milhões de pageviews mensais;
- alienou ou encerrou actividades deficitárias como a New Media, a I-Play, Ad-Tech, SIC Indoor, a Turbo e outras revistas. E vendeu à SP Filmes, já em Março de 2009 a TDN – Terra do Nunca (a produtora de Teresa Guilherme) por 1,7 milhões de euros com uma cláusula contratual que lhe concede a “produção de obras audiovisuais de ficção nacional durante 3 anos”.
Para introduzir emoção na parte final do power point, Francisco Balsemão explica o “plano de contingência: quero anunciar-vos que a Comissão Executiva da Impresa decidiu, e acompanhada pelos restantes membros do Conselho de Administração, com efeitos a partir de Abril de 2009, e pelo prazo de um ano, de reduzir os vencimentos de todos os seus elementos em 10%. O objectivo do Plano de Contingência é o de conseguir poupanças adicionais de 12 milhões de euros”.
Com este deslize de transparência Balsemão deixa perceber que a Comissão Executiva e o Conselho de Administração recebem, em vencimentos, 8,6 milhões de euros mensais – basta fazer as contas!
Poupo-me ao esforço de consultar o organigrama da Administração para descobrir por quantos administradores são divididos os quase nove milhões de euros mensais em salários.
É a crise vivida do lado da Impresa.
Por fim Balsemão anuncia, com orgulho, que em 2008 “rescindiu contratos com 179 funcionários em clima de total paz social”.
Bravo, Francisco Balsemão. Essa é a verdadeira têmpera de um empresário, dir-se-ia.
Nada disso. Balsemão é jornalista!
É verdade... Para fazer corar de vergonha a Comissão da Carteira Profissional, a quem assiste o direito (e o dever) de cassação do título, Francisco Pinto Balsemão é o jornalista, com a carteira profissional actualizada, nº 62/1.
O que escreve o jornalista Balsemão?
Escreve cheques, power points e Relatórios de Contas para humilhação dos que, querendo fazer jornalismo sério, são empurrados para redacções povoadas de estágios não remunerados, são forçados a sedimentar no desemprego ou, na “melhor” hipótese, se vendem em jornais e televisões onde se pratica um jornalismo pouco profissional e cada vez mais vergado aos interesses económico/editoriais dos grupos detentores – o que no final do power point de Francisco Balsemão se traduz na seguinte frase: “temos, repito, de conseguir alcançar o nosso objectivo principal que é o de continuarmos a ser um Grupo verdadeiramente independente e imune a pressões políticas ou económicas. A IMPRESA é um projecto editorial”.
Balsemão (a Impresa) detém a maior e mais completa “máquina” de produção de informação e opinião do país. Um império editorial que contém ferramentas capazes de condicionar a opinião e mesmo de gerar “produção ideológica”.
Alguém dizia há uns anos, falando de um outro magnata da comunicação social, um congénere estrangeiro de Balsemão: “M... é um vendedor. Vende-nos de tudo: jornais, televisão, opinião, doutrina... E quer sempre que o país consuma o que ele tem para vender na altura. Continuamos entregues a comerciantes.”
(Os números e os dados citados neste texto foram retirados da informação oficial do Grupo Impresa – Apresentação do Relatório de Contas 2008.)

Comentários

CN disse…
estou orgulhoso de ti, meu amigo.
Inês disse…
Estranho a ausência de comentários a este post...

Mais ninguém se apercebe das consequências para a opinião pública das grandes concentrações de media?

Não está a acontecer diante dos vossos narizes?
Motim disse…
Inês tem toda a razão.

Nunca a comunicação social esteve concentrada em tão poucas mãos.

Mãos de de pessoas como Balsemão, membro permanente do grupo Bilderberg.
Anónimo disse…
A lucidez é cada vez menos bem vinda na casa que já foi de muitos.
Como prova neste texto, o João não é da fibra da maioria dos que por lá ficaram.
Abraços.
Se já conhecia um pouco do "Império", agora, fiquei esclarecida.E, quase 1 ano depois, a actualidade deste artigo,torna-se ainda mais esclarecedor para que pensemos, duas vezes, como e em que mãos, está a Comunicação Social em Portugal. Responde a muitas dúvidas "encriptadas", "encrispadas"e "encrespadas". Brilhante! BRAVO, "João Sem Medo".

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