O Ground Zero da televisão digital


Maio de 2009 marca o início da televisão digital terrestre (TDT) em Portugal. O início da disponibilidade tecnológica, mas não o início das emissões regulares. O governo determinou (e a PT assume cumprir) que no final de 2010 a cobertura da TDT no território nacional será de 100%. Dentro de ano e meio, sensivelmente, todo o país estará pronto a deitar fora mais de 50 anos de “velha” televisão.
O que vai mudar de imediato na televisão em Portugal?

O impacto da televisão digital nos lares portugueses nos próximos meses será mínimo, quase inexistente.
Quem aderir à TDT recebendo o sinal de televisão por antena irá observar pequenas diferenças – mais definição na imagem e menos fantasmas, sobretudo se viver numa zona de má cobertura, apenas isso. Quem já recebe televisão por cabo não irá notar diferença nenhuma, literalmente.
Não estaremos longe da verdade se dissermos que, para já, a TDT não representa mais que uma nova forma de a velha televisão nos chegar a casa. Haverá duas ou três funcionalidades acessíveis nos descodificadores digitais (menus, guias de programação, pause e rewind, etc.) que não existem na televisão analógica, mas tudo isso somado, não faz uma nova televisão. O que falta, então?
Falta alta-definição, formato panorâmico, som de alta qualidade, multi-pistas de áudio para o espectador optar pela língua em que quer ver o conteúdo, idênticas opções para escolha de legendagem, funcionalidades para portadores de deficiência, conteúdos on demand, etc. Enfim, tudo aquilo a que já estamos habituados no media DVD, e mais algumas coisas como interactividade, conteúdos e conceitos multi-plataforma, com acesso por internet, por exemplo.
A televisão digital é uma nova tecnologia de transmissão que só faz sentido quando potenciada por conteúdos de alta-definição associados a novas tecnologias de produção e concebidos em ambiente digital.
Corremos o risco de ver o espectador divorciar-se na inovação tecnológica se não lhe dissermos a verdade: há um enorme equívoco na oferta que lhe será proposta nos primeiros tempos de vida da TDT em Portugal.
Nenhuma das estações de televisão produz em alta-definição. Nenhuma das actuais televisões produz conteúdos multi-plataforma. Por isso, tão cedo não iremos gozar dos verdadeiros prazeres da TDT.
É óbvio que as estações de televisão irão seduzir públicos anunciando emissões digitais. Mera publicidade. Estarão apenas a codificar para suporte digital os mesmos conteúdos que produzem para o ambiente analógico.
Enquanto não forem forçadas pela concorrência, isto é, enquanto não houver um novo operador a produzir em ambiente digital, as televisões (as privadas, sobretudo) não têm razões comerciais para fazer investimentos em alta-definição ou inovar nos métodos de produção. E se a concorrência não aparecer com brevidade, irão mesmo exigir contrapartidas ao Estado para concretizar os investimentos tecnológicos que lhes permitam cumprir o calendário oficialmente traçado.
O aparecimento de um novo canal privado de TDT, generalista, gratuito, de alta-definição e de produção em ambiente digital, será a “pedra de toque” que fará remexer todo o sector audiovisual com evidentes vantagens para o espectador/consumidor.
Em boa hora foi tomada a decisão de pôr a concurso um novo canal de televisão generalista, nascido no novo ambiente tecnológico; mas numa hora menos feliz se voltou atrás esvaziando o concurso público, com a desqualificação das propostas concorrentes.
Numa Europa cheia de televisões generalistas, públicas, privadas, digitais, etc., Portugal encontrou mais um motivo para se sentar, de novo, na fila de trás da modernidade.
Então o que vai mudar a curto prazo na televisão portuguesa? Este ano, quase nada.A auto-estrada está construída. Pronta. Um tapete para alta velocidade que atravessa o país rasgando montanhas e vales. Mas pouco funciona. Não há acessos e tão cedo ninguém a vai utilizar. Que desperdício!
João Salvado, realizador
Publicado na revista PREMIERE de Maio 2009

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